domingo, 20 de fevereiro de 2011

Sinta-se incomodado

Na primavera de 2003, três jovens americanos viajaram a África na busca de uma história. O que encontraram foi uma tragédia - uma história onde as crianças são armas e vítimas. O filme "Invisible Children:rough cut" (Crianças Invisíveis), que já inspirou filmes de mesmo teor em todo o mundo, expõe os efeitos de uma guerra interminável que afeta as crianças da Uganda do norte. Estas crianças vivem no medo de serem raptadas por soldados rebeldes. Aquelas que não conseguem escapar são forçadas a lutar como parte de um exército violento. À noite elas saem de casa e escondem-se em lugares sem quaisquer condições de higine com o único intuito de sobreviver. Lá choram pelos amigos desaparecidos e sonham em ter uma vida melhor. Este documentário foi feito por estudantes e tem um fomato pungente e original.
Crianças invisíveis existem por toda a parte, vítimas da violência, da fome, da omissão e do esquecimento. É preciso lutar para que elas recebam a dignidade e o respeito a que tem direito. Ouça o que elas tem a dizer:

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Esse crime não compensa

Itaipu/MEC
Eu sou contra a contrução de novas usinas hidrelétricas. Acredito que o tempo delas já passou. Em nossos dias, com a tecnologia existente e a comprovada eficácia das energias alternativas, mais sustentáveis ambientalmente, é praticamente criminosa a edificação desses empreendimentos que ferem de morte a vida no planeta.
O impacto ambiental dessas estruturas não compensa nenhum tipo de energia nelas produzida. Sabe-se que as terras cultiváveis alagadas e a devastação de ecossistemas inteiros são estragos incomensuráveis. Não há cifras para isso. Mas no Brasil, infelizmente, os únicos números que interessam são os dos lucros das empreiteiras, que continuam ditando as regras do jogo. E a pressão é tanta que cai o chefe do Ibama, cai até a ministra do meio ambiente.  Foi o que aconteceu na história da usina de Belo Monte, no Pará, que vai engolir parte de um dos ecossistemas mais ricos do mundo - os entornos do rio Xingú, coração da Amazônia.
Enquanto isso, nada de se debater seriamente a matriz energética brasileira. Nada de investir em outros tipos de energia. Os europeus até hoje não sabem como um país como o nosso dispensa olimpicamente a energia do sol que o banha 365 dias do ano com toda sua força. O empresário indiano que quer construir um parque eólico no Rio Grande do Sul também não entende nada. Ao desembarcar essa semana em Tapes e sentir o vento constante que sopra por ali, ele lamentou a nossa falta de ousadia em investir nesse tipo de energia. Disse que estávamos sentados sobre minas de ouro e platina e comprendeu o motivo de termos tido 13 apagões em 11 anos.
É isso, estamos sentados como tolos assistindo à destruição de nossas matas, rios, animais, plantações, resquícios arqueológicos, clima, gentes. Tudo porque o bolso sempre fala muito mais alto que a inteligência. A pergunta é: até quando o planeta vai suportar?
Para entender mais como uma usina pode impactar o meio ambiente, assista ao video! 

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Hora de posicionar-se

Hoje estive envolvida em algumas discussões pedagógicas e refleti sobre o papel da escola na educação de valores. Em um mundo de velozes transformações, frequentemente pais e educadores sentem-se perdidos diante daquilo que é considerado certo ou errado dada à complexidade da vida moderna. Tendo em vista que educar significa não apenas transmitir e facilitar o conhecimento, mas orientar sobre valores, é muito importante que tenhamos esse discernimento. Diante de crianças e jovens, precisamos entrar nesse turbilhão de informações que a internet e outras formas de comunicação nos possibilitam e nos posicionar. Sinto que nesse caminho o medo e a insegurança não têm vez. Não dá para ficar em cima do muro. Crianças e jovens sabem frequentemente mais do que nós em muitos aspectos, mas anseiam por desenvolver a capacidade de discernir o que é bom ou ruim, certo ou errado. A crítica que permeia a sociedade é que os jovens não cultivam mais valores, seja humanos ou morais. Não é à toa. Se nós mesmos estamos perdidos sobre isso, como podemos esperar que eles não estejam?
É hora de posicionamento. Hora de escolher, sobre cada aspecto da realidade, cada atitude que nos é mostrada, aquilo que é melhor e bom. É preciso ser um pouco categórico e deixar claro para os nossos pimpolhos como vemos os acontecimentos que nos cercam, o que há neles que nos incomoda, extrair o que é positivo ou negativo e abraçar-se ao pêndulo da balança, indicando o que achamos correto e explicando por que motivo. Eles precisam disso. Da nossa experiência, opinião, segurança, firmeza e coragem. Somos exemplos, modelos, referências. Impossível pais e educadores abrirem mão desse papel. Se isso acontecer, uma crise de valores de proporções gigantescas nos engolirá. Mas essa é uma sombra que apenas assume contornos ainda não bem definidos. Acredito na inteligência humana. São tempos difíceis, mas não intransponíveis.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Engolindo a própria cauda

O politicamente correto virou uma epifania danosa à nossa cultura. Este ano iniciou com a polêmica em torno dos livros didáticos das escolas estaduais. Parece que um deles continha um texto do Monteiro Lobato que tratava os negros de uma forma pouco apreciável para os padrões de hoje. Em suma, era racista. E o mundo veio abaixo.
Inadmissível que professores formados, com o poder de educar as nossas crianças, não saibam situar uma obra literária clássica, como é reconhecidamente a de Monteiro Lobato, dentro de um contexto sócio-cultural do Brasil lá da década de 40 do século 20. Um aviso aos queridos docentes, que certamente nunca leram as histórias do Sítio do Picapau Amarelo, caso contrário não se assombrariam tanto: a Tia Nastácia é sim chamada de negra velha toda hora pela Emília, e Tio Barnabé de Preto Velho, linguagem popular do Brasil para os afrodescendentes desde que existia a escravidão. Naquela época ninguém considerava isso uma ofensa, aliás nem hoje deveria ser porque a raça negra deve ter orgulho de assim ser denominada e os velhos são velhos sim, por que negar as rugas? O que distingue o aspecto preconceituoso no uso do vocabulário é o modo como nos dirigimos à alguém. Ou será que já perdemos também a capacidade de distinguir um xingamento ou uma ironia de uma simples nomenclatura ?
Ainda bem que aos poucos tudo isso parece estar virando chacota na boca do povo. Benza Deus, porque implantarmos uma caça às bruxas a essa altura do campeonato com tanto assunto importante neste mundo seria apartar de vez o Tico do Teco. Opa, ou quem sabe deveria ter dito o Filipito do Filipeto? Sabe lá se os esquilinhos da Walt Disney não viraram também leitura pornográfica para nossos filhos...Recebi recentemente um e-mail – desses que circulam livremente pela internet – que merecia um oscar pela indignação bem humorada com que coloca às claras o absurdo paranoico do tal politicamente correto, que convenhamos, está engolindo a própria cauda. Estava assinado por Roberto Rabat Chame. Compartilho com vocês os melhores trechos dessa obra-prima:

Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo – o homem – e a rosa – a mulher – estimula a violência entre os casais. Na nova letra “o cravo encontrou a rosa/ debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada”.
Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro? É Villa Lobos, cacete!
Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar. Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca.
Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos, e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.
Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens.(...)
Daqui a pouco só chamaremos o anão – o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil – de deficiente vertical. O crioulo – vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) – só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo – o famoso branco azedo ou Omo total – é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia – aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno – é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo – outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão – é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.
Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais… Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.(...) Outra: A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a “melhor idade”. Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio "Jardim da Paz".

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Alta pressão na missão de informar

Jornalismo é um jogo duro.  O comprometimento social agregado ao ato de informar exige do profissional altas doses de perseverança e coragem. O desgaste é enorme. É só ver  o que acontece no Egito, hoje terra sem lei. Jornalistas correm risco de morte para tentar contar suas histórias, e mesmo em meio a uma série infinita de agressões prosseguem em seu ofício como se fosse uma religião.
Mas é preciso lembrar de outras tantas batalhas diárias que os jornalistas enfrentam e que o atingem de forma não menos dolorosa. A alta pressão de segmentos políticos e econômicos - arraigados a seus interesses -  sobre o trabalho da imprensa existe sim e de uma forma ostensiva, o que é pouco comentado pela própria mídia, por motivos óbvios, que é o de manter esses anunciantes. A intenção de grande parte dos a pedidos e direitos de resposta encaminhado às redações tentam não apenas corrigir ou alertar para o que consideram descaso com a informação, mas essencialmente intimidar os veículos de comunicação e, claro, o jornalista.
Tais atitudes só demonstram o autoritarismo de quem não consegue dialogar.  Poucos tem sabedoria  suficiente para estabelecer relações amistosas com a imprensa, uma pena. Para garantir a informação idônea, existem leis. Intimidar com ofensas pessoais e outras colocações que não contribuem com o teor do assunto em questão só desgastam o processo da comunicação gerando indisposição. 
O que é desastroso, porém, é que esse método sistemático de agressão estimula a autocensura nas mídias frágeis , e a censura, em qualquer situação, é sempre um atentado ao direito à informação da população.  Por isso é que, para manter seu compromisso com a sociedade, o jornalista sofre, mas continuará sempre engajado na missão de informar.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Devagar com o angú

Foi com certo alívio que li o artigo do professor de matemática Daniel Lavouras, publicada na quarta-feira em ZH. Até então acreditava que nadava sozinha contra a maré. Fiz o Enem em 2009 e tive a mesma impressão sobre o Exame que vem se tornando um dos principais modos de ingresso em muitas universidades. É injusto e precisa ser repensado.
O exame não contempla a grade do atual Ensino Médio, o que faz estudantes com ótimas notas no boletim irem mal nesta prova decisiva. Os pais deles com certeza se sairiam muito melhor por sua amadurecida capacidade de reflexão acerca da realidade, ponto insistente do exame. Então destaco este como um primeiro aspecto a ser avaliado pelo governo: é justo exigir dos estudantes tal desempenho antes de se repensar o currículo do Ensino Médio? O governo investe no acesso à universidade sem melhorar a qualidade da educação de base, que hoje é ruim. Os estudantes estão sofrendo, sem dúvida, para dar conta de um modelo de prova para o qual não estão preparados dentro do sistema de ensino vigente.
Outra questão, também levantada pelo Daniel, é o peso do Enem em relação aos cursos pretendidos. Ele passou em Medicina acertando mais questões de matemática e quase nada de biologia. Ao contrário, mas não menos intrigante, foi eu não ter conquistado uma vaga em Letras ao ter praticamente gabaritado as provas de linguagens e literatura.Isso realmente é dissonante com o que se espera depois na universidade - pessoas com habilidades para exercer as profissões que gostam.
Acredito que a interpretação de problemas e a interligação dos conhecimentos associados a importantes assuntos da realidade é mérito indiscutível do Enem, mas o exame não pode ser a única forma de avaliação para o ingresso em um curso superior, pelo menos não nos moldes atuais. Por que as notas do Ensino Médio, por exemplo, não podem ser consideradas pelas universidades, estimulando os jovens a serem bons estudantes durante todo o ano? Dar tanto peso a uma prova só e que já deu tantos problemas técnicos por conta de suas próprias dimensões é no mínimo uma inconsequência. Estamos indo com muita sede ao pote.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O Ruy e a chaga missioneira

Dizem que santo de casa não faz milagre, mas o caso do Ruy Nedel, médico e escritor cerro-larguense, é singular. Ele até faz milagres, mas seus fiéis estão longe. Dedicado à causa missioneira, ele tem feito sessões de autógrafos em capitais brasileiras, mas por aqui sua obra permanece pouco reconhecida.
O fato é especialmente triste porque o assunto que transborda das páginas do autor diz muito sobre nossa identidade. Os livros do Ruy são sempre um grito contra a violência e posterior discriminação que os povos indígenas missioneiros sofreram graças à ocupação espanhola e portuguesa a partir do século XVII. Infelizmente, a poesia do Ruy é restrita por falta de apoio público, de professores e de escolas, canais que deveriam se abrir para a cultura, principalmente a local. Assim é que a melhor obra de sua vasta produção foi lançada no ano passado sem que a terrinha tomasse conhecimento. O Doutor e a Cabocla contrasta dois mundos - o do civilizador e o do civilizado - com aquela dose de sensualidade característica do autor. Um típico médico do interior aceita a entrega de uma jovem caboclinha pela própria família, como forma de aceitação de sua condição social submissa. Anos mais tarde a história se repete com a filha originada da relação dos dois, indicando que a situação se perpetua de geração a geração.
Os povos missioneiros ficaram marcados por um genocídio, pela intolerância dos colonizadores a seu modo de vida. Nada no mundo parece ser capaz de mudar isso. Mas quem lê o Ruy dá-se conta do próprio descaso com esse povo que hoje anda por aí meio sem destino ou identidade. Só por isso o Ruy merecia uma estátua porque ninguém mais parece importar-se com isso com tanta amorosidade.