quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O Ruy e a chaga missioneira

Dizem que santo de casa não faz milagre, mas o caso do Ruy Nedel, médico e escritor cerro-larguense, é singular. Ele até faz milagres, mas seus fiéis estão longe. Dedicado à causa missioneira, ele tem feito sessões de autógrafos em capitais brasileiras, mas por aqui sua obra permanece pouco reconhecida.
O fato é especialmente triste porque o assunto que transborda das páginas do autor diz muito sobre nossa identidade. Os livros do Ruy são sempre um grito contra a violência e posterior discriminação que os povos indígenas missioneiros sofreram graças à ocupação espanhola e portuguesa a partir do século XVII. Infelizmente, a poesia do Ruy é restrita por falta de apoio público, de professores e de escolas, canais que deveriam se abrir para a cultura, principalmente a local. Assim é que a melhor obra de sua vasta produção foi lançada no ano passado sem que a terrinha tomasse conhecimento. O Doutor e a Cabocla contrasta dois mundos - o do civilizador e o do civilizado - com aquela dose de sensualidade característica do autor. Um típico médico do interior aceita a entrega de uma jovem caboclinha pela própria família, como forma de aceitação de sua condição social submissa. Anos mais tarde a história se repete com a filha originada da relação dos dois, indicando que a situação se perpetua de geração a geração.
Os povos missioneiros ficaram marcados por um genocídio, pela intolerância dos colonizadores a seu modo de vida. Nada no mundo parece ser capaz de mudar isso. Mas quem lê o Ruy dá-se conta do próprio descaso com esse povo que hoje anda por aí meio sem destino ou identidade. Só por isso o Ruy merecia uma estátua porque ninguém mais parece importar-se com isso com tanta amorosidade.

Um comentário:

  1. Posso falar de Ruy Nedel, por ter sido um dos primeiros livros q li (Esta Terra Tem Dono)...e concordo com vc Silvia, acho q apesar de morarmos numa terra de raizes doloridas e ainda suas chagas presentes em nossas vidas, com certeza tentamos esquecer desta herança maldita, e fazer de conta de que nada existiu, uma forma de sublimar nossas perdas...Parabéns pelo texto.

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